Artigos mais visitados

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Pomba Gira






"[A] Pomba-gira está do lado de fora, junto a Exu.

Seu simbolismo de mulher-Exu, mulher perigosa, mulher das trevas, das ruas, das beiradas, dos limites e das margens representa um lado obscuro e sombrio de ser abordado – a sexualidade feminina. 'É como se assistíssemos ao retorno do reprimido. Todas as representações moralizadas, todas as repressões dos aspectos concretamente sexuados do poder feminino voltam nessa figura selvagem da rainha das encruzilhadas' (Augras, 2000, p. 39).

(...) Pomba-gira é isso. É a representação ostensiva, extravagante e contundente do simbolismo de um feminino sexuado que se recusa a ser reprimido e contido (...).

Pomba-gira afirma a realidade da sexualidade feminina, mas, embora não conseguindo desvencilhar-se de um conteúdo de moralidade e preconceito, torna-se Exu, “povo-de-rua”, povo perigoso. Augras tece um interessante paralelo entre Pomba-gira e as ajés iorubás no sentido de que ambas seriam auto-suficientes e detentoras de grande poder mágico.

As ajés seriam as feiticeiras poderosas e obscuras; Pomba-gira, a partir da força mágica que enfeitiça por meio da ativação de seu poder sexual, religaria sexualidade ativa e feitiçaria. Isto quer dizer que há sempre perigo e mistério em Pomba-gira; há sempre perigo ao se manipular as forças contidas e represadas na sexualidade feminina.

(...) [A] sexualidade de Pomba-gira não se encontra a serviço da reprodução; antes, ela a nega, negando portanto o papel ideal da mulher-mãe de família. Acrescenta, ainda, que na simbologia contida nessa entidade, não cabe espaço para homens fortes, sendo sempre as mulheres a ocuparem 'posições predominantes'. O fato de Pomba-gira ser mulher de sete Exus (...) significa que esta entidade exala e transborda poder sexual, e não uma possível submissão. Pomba-gira, dessa forma, representa uma grande ameaça ao equilíbrio entre os sexos, pautado na sujeição das mulheres.

(...) o poder sexual de Pomba-gira não se define em relação ao homem e seu prazer, mas sim, ao controle direto da potência sexual do mesmo. Assim entendido, Pomba-gira não seria um exemplo de gueixa, nem buscaria apenas o prazer; buscaria, sim, o controle desse prazer sexual mediante o controle da energia e potência sexual. Por isso é altamente perigosa. Por isso é feiticeira – é ajé. 'A aliança com a Pomba-gira não acarreta a submissão da mulher a um modelo dominante masculino, e sim a afirmação de um espaço de liberdade e poder, que é exclusiva- mente feminino' (Capone, 1999, p. 167).

Portanto, para Capone, Pomba-gira adquire um status de maior poder. Embora ainda marginalizada e 'prostituída', esta entidade se impõe e afirma seu poder, ao qual submete inclusive a potência sexual masculina. Enquanto representante do poder sexual feminino, Pomba-gira interfere também na potência sexual masculina, alterando-a, facilitando-a ou dificultando-a."

[Amaral de Barros, Cristiane. "Iemanjá e Pomba-gira: imagens do feminino na Umbanda", 2006. pp. 117 - 9 (Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Juiz de Fora)]

Nenhum comentário: